Diário de um intercambista malacabado: Lavando a roupa suja.

em 26 de setembro de 2017

"Lava roupa todo dia, que agonia
Na quebrada da soleira, que chovia..." 🎶🎶🎶

A música é "Juventude Transviada", de Luiz Melodia, e nada tem a ver com o tema deste post além dos dois primeiros versos. Mas, como já disse outras vezes, o blog é meu e eu faço o que eu quero.
Pois bem, nessa jornada de intercambista malacabado aqui na Califórnia tenho feito muita coisa além de estudar: passeio bastante, visito vários lugares, compro uma coisinha aqui outra ali... Os desafios são constantes. As ruas de São Francisco são bem preparadas: rampas em todas as esquinas, calçadas quase sempre padronizadas, transportes coletivos acessíveis (com direito a cheiro de mijo nos elevadores e plataformas do sistema de trens e metrô)... A geografia da cidade é que não ajuda muito, já que SF é cheia de altos e baixos e as ladeiras são inimigas mortais dos cadeirudos. Mas isso é assunto pra outra história.
Vamos em frente: apesar da minha disposição pra encarar as adversidades, tem uma coisa que eu não tinha me atrevido a fazer desde o meu acidente: lavar roupa suja (literalmente). Não que eu fosse um exímio lavador de roupas, na verdade, mesmo quando morava sozinho, tinha quem o fizesse por mim. Durante a maior parte do tempo que passei em São Paulo, a vida colocou no meu caminho uma senhora baixinha do interior de Pernambuco que atendia pelo apelido de Bibiu. Ela era esposa do zelador do prédio e prestava serviço como diarista para alguns dos condôminos, incluindo aquele moleque de mais ou menos vinte anos que morava no apto. 12. Me tratava praticamente como um filho, mas infelizmente nos deixou de forma precoce há algum tempo. Enfim, mesmo tendo a Bibiu cuidando de quase tudo pra mim, às vezes eu precisava fazer algumas coisas por conta própria, e isso podia incluir lavar algumas roupas.
Bom, anos e anos depois, o aleijadinho resolve procurar sarna pra se coçar e se mete numa de fazer intercâmbio sozinho. Hospedado num hostel que não tem serviço de lavanderia, apenas uma lavanderia comunitária, ele se vê na situação em que precisa lavar as suas próprias roupas. E agora, o que ele faz? Hora de usar os conhecimentos aprendidos nos primórdios do século 21...




Vai no Walgreens (uma espécie de farmácia em que se encontra absolutamente de tudo - coisa de americano), compra o que precisa, volta para o hostel, planeja passo a passo tudo o que precisa fazer (como todo malacabado esperto) e encosta o umbigo no tanque. Ou melhor, estaciona a cadeira do lado das máquinas.
Separa as roupas, abre as roupas, coloca as roupas na máquina, coloca a quantidade correta de sabão, fecha a máquina, seleciona o programa e manda brasa. Meia hora depois, abre a máquina, tira as roupas, abre as roupas, coloca na secadora, limpa o filtro da secadora, fecha a secadora, seleciona o programa e manda brasa. Quarenta e cinco minutos depois, volta, retira as roupas da secadora, confere se estão lavadas e secas... Sucesso!



Missão quase cumprida. Hora de voltar pro quarto, mas deu preguiça de guardar tudo agora. Ah, deixa pra lá! A roupa já está toda limpa e seca, depois eu dou um jeito nisso...
Beijo nas crianças! Em breve, cenas dos próximos capítulos.

Diário de um intercambista malacabado: O desafio do planejamento.

em 14 de setembro de 2017

É fato consumado! Pra tudo que vamos fazer na vida deve haver algum planejamento, pelo menos se você pretende fazer bem feito. Para malacabados, aleijadinhos e afins não é diferente. Nesse caso é ainda mais importante, é aí que a brincadeira fica séria.
Como já havia falado no post anterior, a grande dificuldade pra mim foi encontrar um lugar que pudesse me acomodar. E veja bem, a tarefa a princípio nem era das mais complicadas, porque a minha situação não exige necessariamente que o lugar seja adaptado, se ele for acessível eu já consigo me virar. E quando falo em acessível, basta ter uma porta que eu consiga entrar e um espaço razoável por conta da cadeira de rodas.
Depois de várias tentativas, mudanças de programação, busca de alternativas... encontramos aqui em San Francisco um hostel que poderia me hospedar. O quarto não é muito espaçoso, mas é o suficiente. Segue aquela linha que falei antes: não é adaptado, mas é acessível. Já o banheiro, grande terror dos cadeirantes, é bastante amplo e adaptado. Não têm uma cadeira de banho disponível, mas me arranjaram uma cadeira de plástico e, problema resolvido. Poucas coisas a melhorar.
Caso algum aleijadinho ousado como eu tenha a intenção de encarar um intercâmbio sozinho fica aqui a minha dica. O hostel que me hospedou é o Vantaggio, que fica na 505 O'Farrel Street, San Francisco. Já conversei com o pessoal aqui e eles têm dois quartos nessas condições. Não cheguei a ver o outro, mas deve seguir o mesmo padrão.
O café da manhã está incluso e os apartamentos são no estilo Studio: no quarto tem uma cama, um pequeno móvel para as roupas, uma pia, frigobar e microondas.
O único serviço é a limpeza dos quartos, que é feita uma vez na semana. A lavanderia fica à disposição dos hóspedes, que lavam sua própria roupa. Ainda não precisei utilizá-la, só estou hospedado há quatro dias, mas quando for necessário, naturalmente darei um jeito.
Pra melhorar a minha circulação no quarto pedi pra tirarem a mesinha de estudos, ela me impedia de chegar até o móvel pra guardar as roupas. Depois disso a situação ficou mais agradável.
Sem mais delongas, deixo aqui algumas fotos, os curiosos já vinham me cobrando.






Como havia dito, a mesa atrapalhava a circulação e pedi que fosse retirada.

Diário de um intercambista malacabado: De repente Califórnia.

em 11 de setembro de 2017

"Garota eu vou pra Califórnia
Viver a vida sobre as ondas
Vou ser artista de cinema
O meu destino é ser star..." 

Alice já não aguentava mais me ouvir cantarolando essa música desde a última quarta-feira, quando, mesmo depois de muito planejamento, parecia que os meus planos de fazer um curso no exterior seriam desfeitos mais uma vez.
Sim, mais uma vez. Porque quando eu me acidentei, um dos planos que eu tinha para o momento era uma extensão universitária no exterior que, assim como muita coisa na minha vida, não se concretizou pelo mesmo motivo.
Pois bem, pouco mais de onze anos depois resolvi tentar mais uma vez. Eu já me sentia seguro o suficiente, independente o suficiente. Então comecei a planejar. Não que eu achasse que seria fácil, afinal essa palavra poderia ter sido riscada do dicionário da minha vida depois do dia 21 de julho de 2006.
O projeto inicialmente era o Canadá, por sugestão de Thayana, consultora online do STB (Student Travel Bureau), que argumentou que o custo seria menor por conta da diferença na taxa cambial (o dólar canadense é consideravelmente mais barato que o americano). Somado a isso, ela tinha acabado de planejar um curso pra uma moça que também é cadeirante e eu poderia ir pra mesma escola em Toronto.
Ela me disse que a escola e a equipe são muito solícitas e me conseguiriam uma acomodação acessível na cidade.
Mas sabe como é, né? Vida de aleijado não é fácil. No meio do caminho a Polícia Federal surge com a notícia da suspensão da emissão dos passaportes por falta de verba, isso porque cada cidadão que precisa tirar o documento paga uma taxa de quase 300 reais. Coisas do Brasil... Agora eu só podia esperar. Já tinha pagado o valor referente à matrícula e assinado o contrato, mas a efetivação estava condicionada ao passaporte e à acomodação.
Assim que o passaporte fosse emitido eles começariam a procurar um homestay pra me hospedar. Homestay é a modalidade de hospedagem em que famílias recebem estudantes de outros países em suas casas.
Após semanas de incerteza o passaporte finalmente saiu e a escola iniciou a procura.
Semana após semana eu buscava notícias, mas eles nunca conseguiam. Entramos no deadline da escola e na última semana antes do início do curso. Lá de Toronto a esperada boa notícia nunca chegava, então comecei a buscar outras soluções.
Entrei em contato com Mariana, uma amiga querida que mora em Vancouver, e pedi ajuda. Começamos a considerar outras possibilidades. Eu já andava desesperançoso e com raiva, depois de tanto planejamento a bendita lesão medular ia me fuder de novo. Férias programadas no trabalho, curso escolhido, planejamento feito, mas talvez isso não fosse o suficiente. Depois de tanta expectativa parecia que não ia dar certo.
Caroline, a gerente de Thayana no STB, já acompanhava o meu caso de perto e buscava alternativas. Eu achava que talvez não desse mais.
Mas eis que "De repente... Califórnia". Uma escola em San Francisco tinha um curso com uma carga horária que eu poderia fazer com o meu visto de turismo americano e, pasmem, uma residência estudantil próxima tinha condições de me receber. O curso ficaria um pouco mais caro, as passagens ainda precisavam ser compradas, detalhes que já tinham sido deixados de lado agora precisavam ser resolvidos. Foram três dias muito estressantes.
Mas nessa (tragi)comédia da vida aleijada não tem nada fácil. E agora eu tô aqui, na cama do quarto em San Francisco, escrevendo esse post gigante no meu celular e pensando: Chupa lesão medular!





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