Pilates

em 29 de dezembro de 2012

Chegou um determinado momento no meu período de reabilitação em que a fisioterapia já tinha cumprido o seu papel. Eu já percebia há algum tempo que não podia esperar ganhos reais no meu estado geral (novos movimentos ou aumento de força dos movimentos que tinha recuperado ao longo do tempo), além do mais, aquela rotina já tinha me cansado e a minha cabeça já não suportava mais viver num eterno tratamento de saúde. Tinha chegado o momento e eu resolvi abandonar a fisioterapia.
Nessa etapa, o simples fato de ter uma vida ativa já não me cansava mais, eu podia levantar pela manhã e ter um dia ocupado sem que aquilo me deixasse completamente esgotado (fato comum nos primeiros anos de lesão). Já praticava o basquete em cadeira de rodas há algum tempo, então o meu condicionamento e força tinham melhorado consideravelmente. Voltei a dirigir, estudar, trabalhar e passei a levar a vida da melhor maneira que me fosse possível. É um momento de transição bem difícil, mas necessário.
Todo mundo precisa se cuidar, isso é fato. As pessoas já sabem há muito tempo da importância de praticar alguma atividade física, mas muita gente ainda prefere continuar sedentária. Mas quando a gente tem uma deficiência, essa necessidade se torna ainda mais urgente. No meu caso, com a lesão medular, que restringe vários movimentos, é importante manter a saúde articular e o alongamento dos músculos pra mantê-los em boas condições e evitar problemas futuros. Então, depois de algum tempo decidi que precisava continuar me cuidando de alguma forma que não me causasse um desgaste mental tão grande e imaginei que o Pilates poderia me ajudar. Indicado pelo fisioterapeuta que já dava aulas pra minha mãe, cheguei a um Studio que tinha boa acessibilidade aqui perto da minha casa e falei diretamente com César, que é fisioterapeuta e dá aulas de Pilates. A partir daí, comecei a frequentar duas vezes por semana.

Alongando a musculatura posterior das pernas.

 Fortalecendo a musculatura abdominal. De um lado...

 E do outro.

 Buscando o equilíbrio utilizando a resistência das molas.

 Por outro ângulo.

 Tentando manter o equilíbrio num exercício de isometria.

 Mais uma vez.

 Alongando a musculatura lateral do tronco.
Faço isso dos dois lados e alonga bastante.

 Mantendo a postura, puxo as molas pra trás com os braços esticados.

 Controlando a respiração. Expirando na hora do esforço.

 Estica essa mola, rapaz!

 Remada.

 Aqui, como nos exercícios anteriores, o objetivo é melhorar o equilíbrio. 
A carga não é tão importante.

 Mais fortalecimento do abdome.

Pra cima...

Ao longo do tempo, fomos ajustando os exercícios que me ajudassem a trabalhar as funções que eu mais precisava no momento, fosse fortalecer a musculatura superior pra diminuir as dores que eu sentia nos ombros e pescoço (graças a sobrecarga nessas regiões), ou melhorar o equilíbrio e o alongamento da musculatura, entre outras coisas. Já pratico o Pilates há dois anos e isso tem me ajudado bastante, venho evoluindo em todos os aspectos que nos propomos a trabalhar. As dores nos ombros e pescoço sumiram e o meu alongamento melhorou sensivelmente, o que ajuda, inclusive, a diminuir a espasticidade (aquelas contrações involuntárias da musculatura que quem convive um pouco comigo conhece bem).
Nesse tempo já mudamos a série, criamos novas posições e exercícios que me permitem exercitar a musculatura de várias formas. Com o conhecimento técnico e científico de César, uma boa dose de criatividade e o meu feedback, os exercícios foram surgindo. Esses são apenas alguns dos que eu realizo por lá e continuamos criando. O importante é não ficar parado.
Como falava uma das músicas de Michael Jackson: "Don't stop 'till you get enough" ("Não pare até que esteja satisfeito", ou "Só pare quando se satisfizer").

Remorso

em 16 de novembro de 2012

Ontem eu estava indo jantar na casa do meu tio, dirigia o meu carro e meus dois irmãos estavam comigo. Parei no último semáforo da Av. Francisco Porto, entrando na Av. Beira Mar. Cinquenta metros antes eu, já vendo o sinal aberto, acelerei um pouco pra não perder a oportunidade, mas o carro que ia lá na frente freou antes da faixa de pedestres, achei aquilo muito estranho, mas a pista do lado estava ocupada e não dava pra trocar de faixa: "Mas o que é isso?", perguntei. Meu irmão disse: "Um doido que tá andando no meio da rua". Parei atrás do carro e nesse meio tempo o sinal fechou, na frente pude ver que o "doido" andava com uma muleta com extrema dificuldade, as duas pernas atrofiadas tentavam levá-lo à frente enquanto segurava uma caixa de bombons com a outra mão.
Ele virou na direção do meu carro e, com um gesto de mão, ofereceu um chocolate. A princípio neguei, mas aquilo me tocou profundamente. Procurei algum dinheiro trocado pra ver se podia ajudá-lo, eu sabia que ele não estava fingindo, sabe como é, um aleijado reconhece outro hehehe. Além do mais, ele não estava pedindo nada, vendia alguns bombons pra conseguir dinheiro e fazia isso tentando se deslocar com uma dificuldade absurda. Meu irmão me passou dois reais e disse pra entregá-lo, mas o cara não queria esmolas, ele não estava ali pedindo, achei que podia se sentir desrespeitado. O sinal abriu bem na hora que assobiei pra chamá-lo, fui andando pra frente com a janela do carro abaixada e estiquei a mão com o dinheiro: "Vai querer dois?", respondi que sim balançando a cabeça enquanto o carro atrás já começava a buzinar (gente insensível), rapidamente recebi a mercadoria e ele pegou o dinheiro. Deixei-o pra trás e segui o meu caminho. Meus irmãos nem perceberam a minha frustração.
O fato é que aquilo me tocou profundamente. Recentemente voltei de uma pequena temporada em Brasília, onde estava revendo no Sarah a questão da minha bexiga neurogênica, que ainda incomoda bastante. E nos últimos dias lá, já andava meio desanimado. Nada demais, só algumas flutuações de humor que tenho de vez em quando. Mais que normal, já que às vezes sinto que o fardo ficou muito pesado de carregar, a lesão medular não dá trégua e o impacto na minha qualidade de vida é constante. Daí, uma hora a bateria acaba e tenho uma crise de "quero a minha vida de volta". Voltei de Brasília ainda meio desanimado, horas mais tranquilo, horas mais pra baixo. Até que na última segunda feira, desabei. Minha mãe entrou no meu quarto chamando pra jantar e me encontrou chorando no banheiro, coisa que eu já não fazia há muito tempo. "Tá chorando por quê, meu filho?", só consegui dizer: "Tô cansado!". Ela ficou ali perto e depois me deixou sozinho, aí me recompus e fui jantar, achando a minha vida uma merda.
Voltando ao fato. Ontem, aquele sentimento de insatisfação já tinha passado, eu estava muito tranquilo. Quando deixei o sinal pra trás enquanto dirigia, senti muita pena do rapaz (coisa que não acho legal) e fiquei com raiva da minha ingratidão. Como eu posso ser assim tão mal agradecido com a vida? Eu tenho uma lesão medular sim, minha qualidade de vida já foi melhor sim, mas por que reclamar tanto? Muitas vezes ao longo desses seis anos já tentaram me consolar comparando a minha situação com a de pessoas que estavam numa ainda pior e, sinceramente, acho um argumento muito fraco. Por que eu deveria me dar por satisfeito só porque tem alguém pior? Isso é uma inversão de valores. Eu quero mais.
Mas a questão aqui não é essa, o fato é que eu mesmo já estive muito pior e ninguém sabe disso melhor que EU, é só olhar pra trás. Além do mais, eu tenho uma família sensacional que me dá todo o suporte, não posso reclamar das circunstâncias da vida. Podia acontecer com qualquer um, aconteceu comigo.
Isso também não quer dizer que eu deixei de querer melhorar, pelo contrário, só que tenho que aprender a conviver com o hoje e é o que venho fazendo. Jantei com a família e aqueles pensamentos me voltaram várias vezes ao longo da noite, mas eu estava bem. Momentos ruins ainda virão, outras crises surgirão e eu vou ter que sair do buraco de novo. Fazer o quê? Shit happens, my friend! Reflexões religiosas à parte, a vida é mais dura agora, mais ainda há muito pra se aproveitar. No mais... é rodas pra que te quero!

Sebastian. O elo com o Divino.

em 29 de agosto de 2012


Já era quase meio dia quando eu chegava em casa. Parei o carro na frente do portão da garagem, que está quebrado, e liguei pra que alguém viesse abri-lo pra mim. Meu pai atendeu e se prontificou. Dois homens esperavam que alguém viesse atendê-los junto a uma moto na entrada de casa. O mais velho me viu e perguntou: "Você é o dono de Sebastian? Foi você que eu vi ontem passeando com ele?".
"Não, é o meu irmão. Vou tentar falar com ele."- respondi me referindo ao meu irmão Leonardo, que é o "pai" de Sebastian.. Ele olhou pra dentro do carro e perguntou: "Isso aí do seu lado é uma cadeira? É pra você?". Respondi que sim, que era cadeirante. Nessa hora meu pai abriu o portão e cumprimentou o rapaz, já sabia que ele estava ali pra ver o cachorro e meu irmão Guilherme, que passeava com Sebastian ontem, já vinha saindo pra mostrá-lo ao rapaz.
Entrei com o carro, montei a cadeira e fui lá ver do que se tratava. Entre elogios a Sebastian, ele apresentou-se e ao filho, que adora cachorros. Olhou pra mim e perguntou: "Quantos anos você tem?". Respondi que tinha 30 anos. Pausa dramática... "Você crê que Nosso Senhor Jesus Cristo pode te levantar daí?". Pronto, minha experiência já me dizia onde aquela conversa ia parar.
Nesse momento meu pai, católico praticante, tomou a frente: "Não, ele é ateu!" * - enquanto eu só tive tempo de balançar a cabeça em negativo. Pensei na mesma hora: "Agora fodeu!". Sofri um olhar que era um misto de pena e reprovação, achei engraçado e comecei a ouvir o testemunho. Ele e o filho são adventistas do sétimo dia, dizia-me que fora curado de AIDS, contraída quando teve relações sexuais com trinta e duas mulheres sem camisinha no prazo de um ano, mas no total tinham sido mais de duzentas, no que ele chamava de vida pregressa. Nessa hora quase parei a conversa e pedi um autógrafo, mas me contive.
Pensa que acabou por aí? Ele também foi curado de um câncer no reto, época em que defecava pus e fezes. Pra provar que falava a verdade retirou da mochila que o filho carregava uma garrafinha de água e dois rolos de papel higiênico, aquilo servia pra que ele se limpasse a toda hora, porque ele defecava sem controle. Exibiu as provas, como se aquilo provasse alguma coisa. Mas uma dúvida me corroía: "Se ele já estava curado, por quê andar com aquilo na mochila?" Pela segunda vez me contive.
 Mas os milagres não acabavam: "Tentaram me matar sete vezes. Em uma delas o rapaz me disse: 'Eu cheirei duas tiras de cocaína pra matar você, mas não sei por quê eu não matei'". Agora a bagaça ficou séria, como eu podia contestar uma coisa dessas? Por dentro eu achava engraçado, mas sabia que não adiantava argumentar com esse tipo de pensamento. Meu irmão, também cético, já tinha saído no começo da conversa e perdeu todo o testemunho. Meu pai, que acredita nesse tipo de sinais, ouvia atentamente. Chegou a contar pro rapaz um episódio que tinha acontecido comigo há quase três anos, quando saía do centro médico que tem aqui perto de casa com minha mãe; e que ele acredita também ter sido um sinal. Se você quiser, vale a pena dar uma lida aqui.
Enfim, o cara me deu um presente, um DVD com dez pregações de doze minutos cada e pediu que as ouvisse. "No primeiro - ele dizia -, Satanás vai querer lhe afastar e você vai sentir sono. Mas veja todos que você vai entender". Aceitei o presente de bom grado, conforme a educação que papai e mamãe me deram (que menino fofinho!), mas, sinceramente, vocês acham que eu vou assistir? Quem quiser é só dar um grito que eu envio uma cópia, o frete é grátis, só vou precisar de uma pequena contribuição em dinheiro para a obra da igreja (UAHAHAHAHA - esfregando as mãos com uma voz maléfica). Após várias investidas, me mantive irredutível, mas ele tentava me convencer de que tudo era um sinal, que Sebastian tinha sido o elo entre mim e ele, ou entre mim e o Senhor. "Será que meu irmão batizou Sebastian em homenagem a São Sebastião?".


"Santo cachorro, Batman." Diria o Robin
 Mais uma tentativa:
- Você não queria estar de pé? Agora passou ali uma cocota gostosa (cocota é ótimo hehehe), você não queria estar aí na cocotagem?
- E quem disse que só por causa da cadeira de rodas eu não estou?
Ele fez uma pausa pra reflexão e disse:
- Agora eu vou ser grosso com você, mas grosso no sentido de sincero. Vou agredir você, agredir com a palavra. É o chicote da palavra (adorei a expressão): Não seja hipócrita, você não queria estar de pé?
- Queria, mas tive que aprender a conviver com a realidade que eu tenho hoje. Não sou hipócrita, mas a vida que eu tenho hoje é essa e a gente tem que aprender a conviver - respondi com toda essa calma que Deus me deu, com o perdão da ironia.
Esse foi o único momento que ele foi um pouco indelicado, talvez porque eu me mantive irredutível e tinha argumentos pra contrariar tudo o que ele falava. Mas a essa hora eu já achava tudo engraçado.
Pra que não fique nenhum mal entendido, não quero desrespeitar a crença de ninguém. Respeito a de todos e acho que todos devem respeitar a minha, ou a falta dela. É desnecessário querer impor a verdade em que se acredita. Sei também que é da doutrina de algumas igrejas que os seus fiéis "espalhem a palavra" e convertam tantos quanto forem possíveis à palavra do Senhor, portanto vejo esse tipo de atitude como boas intenções. O rapaz, do qual não me lembro o nome e, se lembrasse, também não iria expor, não se colocou como agente da cura, insistiu que eu posso me curar pela mão de Deus. Foi muito gentil e disse que ia orar por mim, ao que agradeci prontamente. Me disse que ficasse com Ele e se despediu. Na hora do almoço eu pedi a meu pai que não alimentasse este tipo de coisa quando acontecesse de novo. "O que eu ia fazer? Ser grosseiro com o rapaz?". "Não, como eu disse: só não alimente".
Sebastian, me desculpe se tirei o foco da atenção de cima de você, mas sabe como é... A gente tem que encarar as coisas com bom-humor, é isso que eu faço.



"Que a Força esteja com você!"


* Só pra constar, não me considero ateu, na verdade não tenho uma opinião formada a respeito, mas me declaro um agnóstico convicto.

Beijo nas crianças. Aquele abraço.

Avaliação no Sarah Lago Norte

em 17 de agosto de 2012

Depois de um bom tempo sem passar pelo Sarah, estive lá no mês de julho. Como sou paciente do Sarah Brasília, liguei pra eles e pedi uma consulta porque queria conversar sobre alguns aspectos da minha reabilitação, em especial com relação à bexiga neurogênica e espasticidade. Pois bem, fiz os exames, conversei com o médico e decidimos por mudar algumas coisas. Pra começar, voltei a tomar um anticolinérgico (medicamento que "acalma" a musculatura vesical pretendendo diminuir as contrações involuntárias da bexiga) e tive que aumentar o número de cats (abreviação de cateterismo vesical, que é um procedimento normal em casos como o meu).

Área externa do Sarah Centro 

 Sala de espera para consultas e alguns exames no Sarah Centro

 Transporte que leva os pacientes do Centro para o Lago Norte.

No fim da consulta resolvi conversar com o médico a respeito da possibilidade de uma passagem pelo Sarah Lago Norte. Pra quem não sabe, em Brasília o Sarah tem duas unidades: Centro e Lago Norte. O Sarah Centro tem mais cara de hospital, recebe muitos pacientes com lesões recentes ou que ainda estão no início do processo de reabilitação. No Lago Norte ocorre uma etapa mais avançada desse processo, não é um hospital, serve mais como um treino avançado para pacientes que querem se tornar ainda mais independentes e adequar-se melhor à sua realidade.

Área externa de uma das instalações - Lago Norte

É uma instituição que tem um pouco de cara de colônia de férias, os pacientes treinam de acordo com a sua rotina diária, praticam esportes e tentam se tornar mais independentes. Ir pro Lago Norte é uma ótima opção para um cadeirante que pretende morar sozinho, por exemplo. Foi lá que o ex-BBB Fernando Fernandes descobriu a canoagem, que acabou tornando-o bicampeão mundial. Lá não existem pacientes com problemas clínicos, quem vai está em plenas condições físicas, exceto pela deficiência, claro. Como eu tenho uma fratura no fêmur em decorrência do acidente que nunca consolidou, não me permitiam ir pra lá, mas agora isso já nem foi mais considerado. A haste e os parafusos estão fixando o osso e isso não representa nenhum perigo; então estou liberado.

Ginásio poliesportivo

 Se o CIEP tivesse um ginásio desses pra treinar...

 Cadeiras de basquete.

Aparelhos de musculação.

Pois bem, o médico do Centro enviou um e-mail para a equipe do Lago Norte, que entrou em contato comigo alguns dias depois e marcou uma avaliação para o último dia 13 de agosto. Acho que o objetivo dessa avaliação, que se resumiu a uma conversa de mais ou menos meia hora, era averiguar se eu tinha condições e o perfil para uma passagem por lá. Ficou combinado que eles entrariam em contato comigo para que eu fosse na segunda quinzena de outubro, mas ainda não sei a data exata.

Fotos

 Mais fotos.

 E mais algumas.

Pra não ficar por menos, mais algumas.

O que eu espero dessa passagem? Nenhum milagre, de fato, nenhuma grande revolução no meu caso, já passei dessa fase. Quero aprender a conviver melhor com a minha realidade, parafraseando Nelson Rodrigues: A vida como ela é. Vamos embora que o tempo não para.

De repente... 30.

em 26 de julho de 2012


Ok, concordo. Esse post com nome de filmezinho comédia romântica é muito biba, mas o blog é meu e eu escrevo o que quero (ai, como ela tá nervosa!). O fato é que já passa um pouco da meia noite e acabo de completar 30 anos. Pausa para reflexão...
Agora falando sério. Pra mim é só mais uma data, apesar de bastante emblemática. Trinta anos. Isso soa meio que como um divisor de águas para a maioria das pessoas. Para muitos serve de parâmetro, tipo: "quando eu tiver 30 anos já quero ter alcançado minha independência financeira, ter um certo patrimônio, etc, etc, etc". Algumas mulheres, por exemplo, têm horror à ideia de chegar aos trinta sem casar: "Ficar pra titia? Nem pensar..." Pra mim é mais um número, mais um dia. Eu também fiz planos para os trinta, mas eles não correram conforme o esperado. Fazer o quê?
Sem dúvida, o fato mais marcante nessa minha curta trajetória foi o acidente que causou a lesão medular e mudou os rumos de tudo o que eu planejava. Mas a vida tem dessas coisas, não é mesmo? Novos planos foram feitos, novas expectativas criadas, novos objetivos vêm sendo traçados. Parece que foi ontem que eu saí da faculdade, gozava de plena capacidade física e enxergava mil possibilidades, quando esse imprevisto me jogou um balde de água fria, o destino (se é que isso existe) me deu um tapa na cara.
De lá pra cá se passaram seis anos e seis dias de muito aprendizado. Sim, porque aquela história de que a vida ensina é verdade, eu bem sei disso. Religião? Não tenho. Nunca me identifiquei, mas tenho profundo respeito. Apenas não é a verdade em que acredito, eu tenho a minha, você a sua. Toda reflexão que tive me ensinou apenas uma coisa: tenho que viver a vida que tenho hoje. Pode não ser aquela que idealizei, mas é a única que posso viver e tenho que tirar o máximo dela.
Não gosto de lições de moral, escrever isso aqui não tem essa intenção. É apenas uma constatação, quiçá uma provocação. Já aprendi que ficar preso ao "e se..." não me leva a lugar nenhum. "E se isso não tivesse acontecido?". Sei lá, nunca vou saber. Então pra que perder o meu tempo pensando nisso? Amanhã o dia é cheio, vou receber família e amigos pra comemorar. Não deu pra fazer o festão que gostaria, mas vai ser legal, tenho certeza. Botar o fígado pra trabalhar.
De repente... 30. E que venham mais.


Diel

em 23 de julho de 2012


Ontem eu perdi um amigo. Um cara que tive o privilégio de conhecer e conviver nos últimos três anos. Josevaldo, ou Diel, como era conhecido por todos, foi antes de tudo um guerreiro. Conheci sua história e aprendi a admirar a força e determinação na luta que travava pela inclusão das pessoas com deficiência. Ele me contou algumas vezes como foi sair do fundo do poço, da depressão causada pela lesão medular, pelo fato de não poder mais andar, controlar o próprio corpo. Dizia que passou muito tempo sem querer sair de casa, sem estímulo, sem vontade pra enfrentar o mundo naquela condição, mas encontrou coragem e decidiu seguir em frente.


Encontrou no esporte a melhor forma de integrar as pessoas com deficiência à sociedade, ajudou muita gente com a sua própria experiência, inclusive a mim. Foi um dos fundadores do CIEP (Centro Integrado de Esporte Paratleta), instituição que defendia com todas as suas forças. Lembro quando cheguei ao treino da equipe de basquete em meados de 2009 e encontrei um cara solícito, aberto e interessado em ajudar. O basquete me proporcionou uma grande melhora da condição física: força, equilíbrio,capacidade respiratória... e até minha autoestima. Mas, antes de tudo, me permitiu conhecer pessoas tão iguais e tão diferentes de mim. Histórias de sofrimento, coragem, superação e amizade. E mais que tudo, me apresentou este cara.


Tive a felicidade de ajudá-lo quando consegui uma almofada Roho, objeto de desejo de muitos cadeirantes por lesão medular. No momento ele sofria com seguidas escaras (úlceras de pressão) e essa almofada ajuda a prevenir este tipo de lesão. Até hoje lembro da cara que ele fez quando soube da surpresa, meio sem jeito cogitou recusar o presente, mas já não tinha jeito, a almofada é sua, meu amigo.
A dor da perda é grande, mas só podemos refletir e entender como ele gostaria que agíssemos daqui pra frente. Temos que manter viva a memória de Diel e a melhor forma de fazer isso é dar continuidade ao seu trabalho. Amigos, parentes, atletas do CIEP, vamos seguir com o legado deixado por nosso guerreiro, nossa grande referência. Ontem passei a tarde no hospital tentando ajudar Tarcísio, nosso grande apoio, a resolver umas questões burocráticas e pude sentir a dor da perda. Fui dar uma última olhada no meu amigo e pude ver que, apesar do sofrimento que vinha passando, mantinha a mesma feição de serenidade conhecida por todos. Não pude comparecer ao velório, mas tive um momento solitário de reflexão e despedida.




Amigo, sua passagem ficou marcada e tocou a vida de muita gente, digo isso por experiência própria. Agora só guardamos a lembrança e a saudade. Do seu amigo e admirador.
Ronald

Banzo

em 26 de abril de 2012

São Paulo, 15 de abril de 2012.
Vim mais uma vez para São Paulo, dessa vez pra participar de uma corrida, uma meia maratona. Eu e mais dois amigos, Ulisses e Tarcísio. Ulisses também é cadeirante e veio correr, Tarcísio é nosso apoio, dá uma força em tudo que a gente precisa, afinal, nós não damos conta de carregar as handbikes.  Ele viaja com o nosso time de basquete em cadeira de rodas e dá todo o suporte que precisamos. Assim que eu e Ulisses decidimos participar da corrida, o convidamos pra vir com a gente dar aquela mãozinha.


A corrida foi pela manhã, o nosso transporte atrasou um pouco e acabamos chegando em casa por volta das 13h30, tomamos um banho e fomos almoçar, depois voltamos pro apartamento. Por questão de economia decidimos ficar no apartamento que eu morei por quase quatro anos em São Paulo. Assim que eu sofri o acidente e voltei pra Aracaju, nosso apartamento ficou em stand by, não sabíamos o que fazer. Minha ideia, então, era me recuperar o mais rápido possível e voltar pra minha antiga vida, retomar tudo do ponto em que parou. Não foi bem o que aconteceu. Mas o meu irmão Guilherme, que acabara de se formar em odontologia, passou em uma especialização aqui em Sampa e veio morar no apartamento. Agora, ele já terminou os estudos e acabou de voltar pra Aracaju.
Pois bem, depois do almoço estávamos cansados e fomos descansar um pouco. Fui para o meu antigo quarto, minha antiga cama. Encostei a cabeça no travesseiro e apaguei, mas o sono não durou muito. Dei-me conta que agora que o meu irmão tinha voltado pra casa, aquela era, provavelmente, minha última passagem pela minha antiga casa, onde eu fiz planos, criei expectativas e vivi alguns dos melhores anos da minha vida. Lembrei-me dos anos de faculdade, da ansiedade pra conseguir o primeiro estágio, os dias de trabalho, a correria pra entregar o TCC, as baladas, as ressacas, a festa de formatura... Seguindo essa lógica, não pude deixar de lembrar tudo que tinha planejado pra minha vida. Saudade de um tempo que não vivi.
Cara, foi foda! Eu levantava da cama, ia até a cozinha, voltava pra cama, tentava dormir e não conseguia, tentei ler o livro que tinha comprado há poucos dias, era impossível me concentrar. E o tempo foi passando, liguei a televisão antiga que ainda tinha por lá e tentei me distrair um pouco, nunca prestei tanta atenção no Domingão do Faustão como naquele dia. Mandei mensagem para os amigos de São Paulo, pelo menos aqueles que eu tinha o telefone, queria saber se a saída à noite pra rever todo mundo ia dar certo, mas acabou não rolando porque todos tinham outros compromissos. Pelo menos no sábado consegui rever alguns deles, uma pizza à noite. Ah, as pizzas de São Paulo...


Falei com Celso, que disse que ia passar por lá depois de dar uma corrida no Ibirapuera. Bibiu foi lá em casa conversar comigo, ela é a esposa do zelador, Seu Zé, e trabalhou como diarista comigo e meu irmão. Inevitavelmente, criamos um vínculo muito forte. Falei como tinha passado a tarde, ela também lamentava, dizia que tinha acostumado com a nossa presença. Minha e do meu irmão. E se perguntava como seria agora, ia sentir muita saudade. Mais tarde Celso também chegou e ficamos conversando, eu, ele e Tarcísio, também falei como tinha me sentido horas antes. Bibiu voltou lá em casa e ficou conversando com Celso mais um tempão. Ela fala pra caralho! Muito engraçado. Depois foi embora. Contei a Celso as novidades da minha vida em Aracaju, ele me falou das coisas de São Paulo e de quando planejava aparecer na terrinha.
E foi isso. Depois que ele foi embora fui arrumar as coisas pra dormir, aquela angústia já tinha passado fazia tempo e às seis e meia da manhã, a van que nos levaria ao aeroporto estaria lá na porta.
Pontualmente o transporte chegou. Tarcísio desceu as bagagens e foi arrumar as handbikes pra viagem. Eu fui o último a sair, dei uma última olhada no apartamento como se quisesse imprimir tudo aquilo na minha memória (como se precisasse...). Mais um ciclo se fecha. Por mais que eu já não morasse lá, aquele apartamento era um vínculo que eu ainda tinha com a minha antiga vida. Agora só ficam os amigos e as lembranças que levo comigo. Até breve, São Paulo.


Diversão x Cadeira de rodas.

em 23 de fevereiro de 2012

Depois de um bom tempo sem postar no blog, me veio a ideia de falar a respeito do lazer depois da lesão medular. Pra quem vivia todo pimpão e serelepe sobre suas próprias pernas não é nada fácil ficar restrito à cadeira de rodas; redescobrir o prazer nas coisas é um grande desafio, pelo menos foi assim pra mim. No início nada tinha graça, nada era tão bom quanto antes. Comecei devagar, saindo com meus irmãos, primos e amigos pra jantar ou comer alguma bobagem, ir num barzinho, cinema, essas coisas... Mas não conseguia me divertir muito, a minha situação ainda me incomodava.
O primeiro grande obstáculo está na cabeça, é conseguir encarar sua situação com naturalidade, se ver como igual. E isso é um grande desafio. Cada um tem seu tempo, é preciso digerir a mudança que a vida lhe impôs, mas a duração desse processo varia de pessoa para pessoa. Já conheci quem tivesse muita dificuldade pra reverter a situação e outros que me deram aula de superação, autoestima e confiança. Ajudei alguns e aprendi com outros.
Acho que a minha mudança começou ainda no centro de Reabilitação, lá no Sarah de Brasília. Com apenas três meses de lesão consegui uma vaga e me mandei direto do hospital em que estava internado em São Paulo pra lá. Além da fisioterapia e das aulas sobre todos os aspectos da lesão medular, faziam parte do programa os momentos de lazer, dos quais o que me lembro com mais carinho é a bocha adaptada, que é uma adaptação do jogo de bocha para pessoas com deficiência. A princípio parecia muito chato pra mim, que vivia jogando futebol, vôlei e na academia, mas depois virou a atividade mais divertida da minha primeira internação. Era muito engraçado ver aquele monte de quebrados, um mais estropiado que o outro, jogando aquela bolinha e tirando sarro dos perdedores.



Bom, o tempo foi passando e, além da fisioterapia, eu fui buscando opções de lazer. As saídas com os amigos passaram a ser mais frequentes e o processo de aceitação vinha na medida que eu encarava a realidade, por mais difícil que fosse. Voltei a tomar minha cervejinha, nem sempre assim no diminutivo, a frequentar shows, bares e casas noturnas, chorei de frustração algumas vezes (cheguei até a escrever sobre isso aqui) por estar naquela situação, mas insisti e fui me adaptando.
Mas a vida não se resume às baladas. Como sempre fui muito ativo, queria praticar algum esporte e fiquei sabendo do time de basquete em cadeira de rodas daqui de Aracaju. Procurei saber o local e horário dos treinos e me mandei pra lá. Conheci Diel, o organizador do grupo, e o resto do pessoal. Comecei a treinar logo depois do regional e até hoje não parei. Sempre muito curioso, continuava pesquisando o que mais podia fazer. Lendo alguns blogs e conversando com o pessoal das internets conheci a handbike, uma espécie de bicicleta de propulsão manual, e não sosseguei até comprar uma. Agora estou levando o negócio mais a sério e comecei a treinar de verdade, pra competir assim como faço no basquete.


Até chegar aqui foi um longo caminho, de muita paciência e persistência, mas acho que consegui resumir um pouco como foi esse processo de adaptação que, como tudo que aconteceu depois da lesão medular, foi muito difícil. Continuo saindo e me divertindo com os amigos, tive que me adaptar à nova realidade e superar meus próprios preconceitos. Claro que em algumas situações eu me sinto um pouco incomodado. Por exemplo, uma ida à praia é bem diferente na cadeira de rodas, por isso não frequento tanto quanto o fazia antes, mas ainda assim vou e consigo me divertir. Outras tantas ocasiões ainda causam certo desconforto, mas a vida é assim mesmo, né? Mesmo com as dificuldades a gente precisa manter uma vida social: estudar, trabalhar e, claro, se divertir.
Eu me divirto bastante. E você?

Malfatti

em 16 de janeiro de 2012


"Sou Malfatti, que em italiano significa malfeito. Mas tenho o dom de superar".

Outro dia li uma revista no avião. A matéria que me chamou a atenção falava da artista Anita Malfatti, precursora do Modernismo no Brasil. Eu já conhecia um pouco de Anita pelo que estudei na faculdade de publicidade, sobretudo em relação à Semana de Arte Moderna de 1922. Anita era dona de uma pintura mal compreendida, influenciada pelo que conheceu durante seus estudos na Europa ela fugia do estilo clássico e produzia uma arte que não se encaixava nos padrões.
Mas eu não vim aqui escrever sobre história da arte nem fazer uma biografia da artista. O que me chamou mais atenção na matéria foi um fato que eu desconhecia e que tem muito a ver com o propósito do blog: "A garota sempre foi tímida, principalmente por causa de um problema de nascença: o braço direito era mais curto, com poucos movimentos na pequena mão. Mais tarde resolveria a questão com mangas longas e largas, elegantes lenços esquecidos sobre a mão e muitos exercícios".
O texto destaca uma declaração da artista, que eu achei muito espirituosa: "Sou Malfatti, que em italiano significa malfeito. Mas tenho o dom de superar", dizia Anita sobre o problema no braço e sua notável capacidade de enfrentar as adversidades da vida. Achei muito interessante a maneira como ela brinca com o próprio nome e mais ainda a perseverança que teve pra vencer a desconfiança da família, da crítica e da elite paulistana e se tornar precursora de um dos mais importantes movimentos da arte brasileira. Taí, mais um exemplo de perseverança.


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