Aos olhos dos outros

em 4 de abril de 2011

Outro dia eu conversava com uma amiga que sofreu uma lesão medular há pouco tempo. No reveillon desse ano ela voltava de uma festa e sofreu um acidente de carro, lesionando a medula. De um tempo pra cá estamos conversando e eu tenho dado uma força nesse momento delicado.
 Essa fase de adaptação é muito difícil e uma das coisas mais complicadas é se acostumar com a sua "nova imagem". Sim, porque você passa a se ver de maneira diferente e é difícil encarar a cadeira de rodas como algo natural, olhar no espelho e se reconhecer ali é um desafio. Depois de um tempo no hospital chega a hora de voltar pra casa, é quando realmente cai a ficha: "Minha vida mudou!".
Aí a gente começa a encarar a mudança na rotina, na qualidade de vida. Remédios, sonda, fisioterapia e visitas ao médico se tornam comuns. E chega o dia de encarar a rua. Ela me contava que foi ao shopping essa semana, foi a primeira vez que saiu em público depois do acidente. "Não gostei das pessoas me olhando. Chorei!".
É dificil ser o alvo dos olhares, sentir-se diferente e chamar atenção por isso. As crianças, por exemplo, não escondem a curiosidade, mas esse é um sentimento legítimo, de quem não entende direito o que aquele cara ou aquela moça está fazendo sentado(a) naquela cadeira. Seu olhar ainda não está contaminado de preconceito, de falsos valores e concepções equivocadas, eu até brinco com as crianças, a mim seus olhares não incomodam.
Lembro das primeiras vezes que me dei conta dessa realidade, de sair na rua e encarar conhecidos e desconhecidos sob uma nova perspectiva, vivenciar situações com as quais eu estava acostumado de uma forma diferente, sentado numa cadeira de rodas. Até hoje, quase cinco anos depois, ainda encontro alguma dificuldade.
Eu falei pra ela e repito aqui. A gente precisa aprender a ignorar os olhares, colocar a nossa atitude acima do que as pessoas estão pensando e simplesmente seguir em frente. Acho que quando entendi isso tudo ficou mais fácil, os olhares até mudaram. Levantar a cabeça e olhar as pessoas nos olhos faz toda a diferança. Os olhares de pena, admiração, estranhamento e curiosidade ainda existem, mas eu passo por cima deles com as rodas da cadeira.
Tem muita gente que enfrenta dificuldades e ainda encara a realidade de peito aberto. A gente tem que estudar, trabalhar e se divertir, interagir com as pessoas por mais difícil que seja nossa situação. Não vou ser hipócrita de dizer que a minha realidade é maravilhosa e que estou satisfeito com a forma que as coisas estão, mas também não posso ficar só lamentando.
Pra quem encara diariamente esses olhares não existe outra saída, é dar as caras na rua e mostrar que existe, que também faz parte desse universo. Só assim pra mudar a forma como somos vistos aos olhos dos outros.

7 comentários:

  1. Os olhares realmente incomodam...na verdade me deixam com raiva..lembro que qnd meu filho de 6 anos passou a andar de carrinho ou de cadeira as pessoas olhavam pra ele como se ele dosse um ET..naquela idade num carrinho ou cadeira,carequinha,super magro..eu encarava todas q ficavam olhando pra ele...ai logo elas baixavam o olhor e sorriam falsamente..
    ate ele mesmo notava..quantas vezes ele disse "mae tu viu aquela mulher me olhando??"..eu dizia pra ele perguntar "ta me achando bonito né??" ele dava risada...
    pra essas pessoas idiotas dvemos devolver apenas nosso olhar fuzilante!!
    beijos boa semana e mtos e mtos olhares fuzilantes a esses idiotas!!!

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  2. É Ronald, vc sobe bem expor os sentimentos. ME sentia assim também , hj já não me incomodo tanto. Temos que tomar cuidado para não nos tornemos rancorosos com o mundo. Temos que ter senso de humor para enfrentar essas dificuldades. Prefiro dizer dificuldades já que sabemos que uma parte não é curiosidade e sim preconceito mesmo.
    Não sou cadeirante 100% do tempo, só quando saio de casa. No começo não queria sair, mas hoje apesar de tudo sou a primeira a falar VAMOS...
    Lógico que a maioria dos passeios são em shoppings, e isso não é opção e sim por estarem mais adaptados...
    Mudando de assunto, vc deveria postar mais detalhes da sua amiga : lutas, aventuras e superações.

    Mande um beijinho pra ela e muita força nessa hora.
    Fique com Deus

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  3. Valeu Rebeca, gostei dos olhares fuzilantes! rsrsrsrs

    Márcia, obrigado pelo comentário. É uma situação muito complicada mesmo. Quanto à minha amiga, eu preferi não expor tantos detalhes pq, como eu disse, é uma coisa muito recente e ela podia não se sentir a vontade. Mas ela já leu o post e adorou. rsrsrs

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  4. Cada vez q passo por aqui, volto decidida e consciente q meus desafios nao sao só meus.... Sabe Ronald, pode parecer bobagem, mas sou uma mulher mto melhor agora do q antes das minhas limitaçoes. Sou (eventualmente) muletante , e como diz o poeta CAetano, cada um sabe a dor e a delicia de ser o q é.
    Abraço imenso p vc e p sua amiga,certamente e de gde valia ter alguem p contar e nos entender(literalmente) nessas horas...
    Acho q vc nao curte, mas tem um selo de pimenta la no meu blogg q indiquei vc.rs bjo gde

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  5. Obrigado Dá, fico feliz q o blog te ajude de alguma maneira. Ainda não usei os selos, mas vou aderir rsrsrs, bjs.

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  6. Olá pessoal, sou laura, sofri um acidente com a queda de um portão de ferro, L1, estou paraplégica.
    Sou cadeirante a 2 anos e quatro meses. Passei por aqui, li os comentários e percebi que não se falou do assunto da dor neuropática, vocês sofrem com esta dor? Como lidam com ela? Gostaria muito de saber como, pois tenho dores fortíssimas de queimação e agulhadas, cortes.

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  7. Oi Laura. Eu sofri um pouco com uma dor neuropática nos primeiros meses após a lesão, sempre no braço esquerdo, por incrível q pareça. Eu tomava uns analgésicos mesmo, fui passando dos mais fracos pra outros mais fortes. Mas depois de alguns meses a dor sumiu. Conheço pessoas que têm dores e queimações e usam medicamentos pra controlar. Mas não sei muito a respeito, posso conversar com eles se vc quiser. Acho q o melhor é conversar com o seu neurologista.

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